11.5.15

Cópia autenticada


Declaro,
pelos devidos meios
e para os devidos fins,
a falência da contradição,
a morte da resistência,
a despedida da quimera genuína
e o adeus do olhar que se expande apenas para fora.
Estão canceladas as incertezas concretas
e permitidas, apenas, as provisórias, mais fáceis.

A morte, apesar de única,
ganhará adjetivos que tentem fazer jus
ao esforço de sobrevivência de cada um
e os mais louvados serão aqueles que melhor se adaptaram.
Que Deus salve o darwinismo sistêmico
e as contradições éticas dos homens de bem.

3.2.15

Janela de Madeira

Passarinho que é do mundo, voa.
Voa e às vezes pousa e repousa pertinho.
É muito tentador prender Passarinho,
Mas Passarinho não é nosso,
Passarinho é do mundo.
E a gente acaba se conformando
que a beleza está em voar,
vir, pousar, repousar,
despertar e ir embora.
Nessa hora,
tem um tanto de nós que ele leva
e um outro tanto que deixa.
Provavelmente,
nunca mais veremos Passarinho.
E se por um acaso o virmos,
Dificilmente saberemos que era ele
o nosso Passarinho, no meio de tantos outros,
mas de rompante, lembraremos que essa sapiência
é o que menos importa.
Passarinho nunca foi nosso.
Passarinho sempre foi do mundo.

1.1.15

2015 (II)

Quero a paz do teu colo
e do teu coração.
A paixão,
Que me venha,
através dos seus lábios,
E que eu tire o teu amor
Com as mãos, a boca,
E despeje em qualquer chão,
Não como quem se desfaz,
Mas como quem separa, reserva,
E retoma para devolver quando exigido.
O futuro olhará para o passado
E terá certeza do que se cumpriu
Quando o presente olhava para o futuro e sonhava.

31.12.14

2015

Eu,
que achei que nasci
para ser só.
Descobri
que me construí
para estar
                       - com ela
a sós.

1.12.14

Versaudade

Tem ventado tão forte
Um cheiro de tuas paredes
Que posso sentir o gosto
Do teu barulho de trovoadas
Saltando nas minhas pupilas
E suplicando, na mudez,
Pelo menos uma fotografia inconsciente
Desse aroma
Que derrama a tua foz
No meu céu sem estrelas.

Minha constelação que deságua.
Sentidos das vísceras,
Sentimentos dos órgãos,
Força primária ideal e personificada.
Tempestade.

17.10.14

Poerosia.

O corpo alvo nu,
teu,
folha em branco.
Toda parte que te invade,
minha,
tinta.
O gozo,
nosso,
poesia líquida e concreta.

12.8.14

Tratado combinado

Não se espante se o amor
Não existir,
Por existir,
Se ele não conseguir se explicar sozinho.
Amar é verbo que sempre precisa de complemento.
Amor depende.
Depende de quem. Ou de quems.
De quando, de onde
E de uma série de porquês.
Amor não se basta.
Amar nunca bastou.
Amor depende de capital,
Das capitais,
Da produção, do desempenho,
Da facilidade, do conforto, da acomodação.
Amar não basta.
Amor? Nunca se bastou.
E o amor segue dependente.
Da ética, da estética,
De ser um amor político.
Da voz que o amor quer ter e se reconhecer
Mas não pode só por causa de tudo.
Amor depende do arrependimento.
Depende da sorte e também do azar.
Depende da morte, da vida
Da vergonha na cara
E dos precipícios.
Se tem uma coisa que amor depende é de querer e por incrível que pareça,
Do contrário também.
O amor pode depender apenas do amor, é claro e
apesar de ser a sua dependência mais sincera e legítima,
O amor depende do medo e da coragem.
Amar pode depender, inclusive,
De tudo isso junto,
Mas nunca, nunca não dependerá de nada disso.
Por isso, escrevo este ensaio.
Para assinar um contrato com o amor.
Não mais o investigarei e o tentarei compreender.
Pouco me importa, a partir de agora,
Se é transitivo ou intransitivo,
Enquanto ele for assim: intransigente.
Sem se bastar.
Sem ele pensar por que nunca se bastou.

22.7.14

Vida Morosa.



Segue, nestas linhas, uma história qualquer.
Sobre um dia qualquer.
Que poderia ter acontecido comumente com todas as pessoas que leram, estão lendo ou lerão este texto e, com uma freqüência muito maior, acontece com as que não leram, não estão lendo e nunca o lerão.

Vida Morosa

Tinha, por hábito, assim que acabava de despertar do sono matinal de forma compulsória, açoitado pelo intermitente barulho polifônico do despertador, abrir a menor fresta possível da cortina do quarto. Neste caso, esta pequena fenda era o máximo para que obtivesse o mínimo de visão que o possibilitasse compreender de que forma as condições climáticas se apresentavam naquele momento.
Nos dias em que acordava antes do fim do ocaso ficava mais difícil, mas caso a lua já tivesse trocado completamente de posição com o sol, era o hábito descrito acima que determinava a sua inclinação ao bom humor no restante do dia: se o mundo estivesse ensolarado, com céu azul e calor, levantava com uma enorme disposição, sorrisos e esperava muito mais das horas que viriam a partir dali. Em caso de nuvens concentradas, senhor do tempo grisalho, frio e garoa bem fina – essa era a pior parte, afirmava: “Ou chove de vez ou não chove. Garoa fina é falta de vergonha do ciclo da água” – transformava-se em um ser humano desprezível e rabugento. Ele era o “Dr. Jekyll do clima”.
Entretanto, naquela manhã, quem se pôs de pé foi o “Mr. Hide” e você, leitor, já pode imaginar o motivo. A ameaça latente de chuva, dada a escuridão estabelecida, mesmo com o dia nascido por inteiro, piorava toda a situação, já que Ele detestava guarda-chuva. Mais que a chuva. Não havia jeito: casaco vestido por cima da blusa social, calça jeans, tênis, meia e ele: o objeto que lhe despertava repúdio. Fechado. Na mão. Com a pequena corda rodeando o pulso.
O caminho da casa até o ponto onde tomava a condução com destino ao trabalho era curioso e guardava uma beleza que contrariava a estética dominante para apreciação de paisagens: a margem de um rio delimitava o seu caminho, cercado por muitas árvores que também o acompanhavam por todo o trajeto. Naquele horário, podia-se observar com facilidade aves de diferentes espécies, umas voando e outras estáticas, além de peixes e frutos do mar em diversidade grande.
Entendo que neste ponto você, se chegou até aqui, deve estar confuso e a pergunta em sua cabeça é simples: como o autor afirma que o local não era digno de apreciação estética se a idealização que ele me propõe descrita não acompanha esta informação? Tudo bem, eu queria te privar da verdade, mas já que você pediu e o que eu menos quero é que meu texto não seja compreendido, eu vou direto ao ponto: não era rio, era vala, e um eufemismo que Ele gostava de usar para se referir ao mesmo era: “ex-rio”, ou seja, foi um rio, mas deixou de cumprir com a sua função. As aves que ali gorjeavam eram de duas espécies apenas: garças e urubus, que aguardavam ansiosamente os restos jogados pelo homem que vendia peixes, camarão e lula nas margens do valão. Acreditem: a saída era grande.
Neste cenário, caminhava Ele (ou Eu, ou Você). Cerca de 10 minutos o separavam da chegada ao destino nem sempre pontual no ponto – de ônibus - e por volta do minuto quatro e do segundo catorze, ele já podia, mesmo com a miopia, entender uma forma borrada que se assemelhava à representação de uma ave parada. Uma não, duas, nos dois postes que formavam uma espécie de portal. De um lado, a ave branca. Do outro, a negra, mas essa informação da gradação não tem relação com o final da história e só foi utilizada para que não se repetisse “urubu” e “garça”.
A chuva se iniciou 42 segundos depois e, com muito mais nitidez dos animais no topo da iluminação pública, Ele prontamente se valeu do guarda-chuva. Punho fechado no cabo, polegar no botão de abertura, objeto na diagonal e pronto. Aquelas inoportunas e malévolas moléculas de hidrogênio com oxigênio faziam de propósito. A fome na África e o bombardeio de crianças palestinas por Israel, com direito a camarote para assistir à barbárie – não há relação nesta frase com o MMA –, a prisão preventiva de militantes políticos no Brasil e a existência de Jair Bolsonaro, Silas Malafaia, Marco Feliciano e Luciano Huck não se aproximavam do tamanho do problema que era aquela chuva, naquela hora, para ele. Mesmo com a anunciação, mesmo sabendo que poderia acontecer. “Poderia ser depois”, pensava.
Olhou para o objeto em suas mãos e teve a certeza que continuava odiando carregar aquele estorvo, aquele problema, mas havia uma coisa que ele gostava que só aquilo ou uma capa poderiam lhe dar: a proteção. Estar submetido a ele era extremamente ruim, mas pelo menos se protegia, se resguardava, da – agora tempestade – que o acaso lhe proporcionou.
Conforme caminhava, ia prestando atenção nas sentinelas com penas que observavam desde muito longe o seu trajeto. Olhou para a beira do ex-rio e observou que o homem do peixe não estava mais ali, bem como sua mercadoria. Observou também que, com a chuva, garças e urubus haviam se entocado em algum lugar – talvez junto com o peixeiro, não sabia – e apenas aquelas duas permaneciam ali. Paradas. Só os olhos se mexiam, fazendo com que, num primeiro momento se compadecesse “dos bichinhos que estavam todos molhados, coitados, nem possuem um abrigo como eu”.
  Ele se concentrava nos olhares. O bichinho da direita parecia lhe observar com uma severidade que o pior ser humano, que passou por sua vida, nunca lhe havia lançado. Aflito, buscava o da esquerda e recebia um olhar de pena. Como quem olha para uma criança faminta, para alguém que perdeu um grande amor ou para quem acha tomorrowland algo sensacional.
Desta forma, Ele não sabia em qual deles concentrar sua atenção naquele momento. Foco em sua frente. Escapou algumas vezes, mas apesar de todo assombro com a humanidade penetrante naqueles globos oculares dos ovíparos, a sua curiosidade com a cena o fazia buscá-los com impulso descontrolado e, agora, além de olharem para Ele, passavam a trocar olhares entre si, como se estivessem se comunicando e cochichando com a retina informações que só eles e apenas eles, bichos de penas, poderiam saber, numa linguagem visual inalcançável.
Bem próximo do portal desenhado, com a chuva castigando mais que em qualquer momento do trajeto, baixou a cabeça e passou direto. Evitando a linha cruzada na comunicação das aves. Evitando o assombro que aquela situação toda lhe causava e negando – mesmo atribuindo a este pensamento algo vergonhoso – que sua loucura estava ultrapassando os níveis limites da sanidade.
Pareceu ouvir uma palavra. Procurou o peixeiro novamente e não o encontrou. Quando o seu cérebro conseguiu processar o som que havia escutado no meio da ventania e da tempestade com seus altos decibéis, não compreendeu. A Palavra foi “coitado”. Seguida de uma voz diferente, que repetiu o mesmo termo, num tom que não queria, mas não via como não concordar com a primeira.
Acelerou o passo sem querer olhar pra trás, tendo a falsa impressão de que lutava contra a realidade fantástica que se apresentava diante dEle. Na verdade, fugia. Ora, não poderia ser apenas mais uma manhã comum em direção ao trabalho, somente atormentada pela forte tempestade e salvaguardada pela segurança e proteção do objeto que estava em suas mãos?
Entrou no coletivo. Havia um lugar. Tomou o velho caderninho de anotações e rabiscou.
 
“Do alto de suas torres,
Sentinelas nus observam
O transeunte que se protege
Das amarguras
Que amarguram os sentinelas.
Infeliz do que se compadece
Do desprotegido,
Pois recebe, em resposta,
A severidade e a pena
Que o olhar da liberdade impõe.
Ser livre é não se privar do acaso do mundo.”





10.7.14

Glória

Então fica decidido assim:
Cada um para um lado.
Que você vá
E parta com seu deus.
Que eu fico
bem
aqui com os meus 
eus.

4.6.14

Pasteur

Quando te vi de frente,
não pude saber que a tua fronte fria
escondia tuas paredes quentes,
De mim,
que neste conflito,
entre o aquecido e o gelado,
não pude deixar de ter,
no fim,
o coração pasteurizado.